As crônicas do Buracão | Parte 2 — Bolhas

Buracrônicas
3 min readJun 16, 2021

Jonathan Reis dos Santos

A palavra que melhor descreve a minha experiência no trabalho com a comunidade do Buracão é: Bolhas. Nos últimos anos, a palavra “bolha” ficou muito atrelada às mídias sociais, só seguimos, acompanhamos e escutamos as pessoas que pensam igual a nós, isso “criou” as bolhas. Mas no meu modo de pensar, essas bolhas sempre existiram, na nossa rotina, em sua grande parte, só se fazem presentes pessoas com realidades e pensamentos similares aos nossos. Quem tem uma realidade diferente a gente exclui, finge que nem existe, e não quer nem ouvir falar. No primeiro texto dessa trilogia eu cito um choque de realidade que aconteceu comigo durante o trabalho, hoje vocês vão entender melhor do que se trata…

Para começar a entender a minha história, primeiro é necessário entender a história da turma do 5º período dos cursos de comunicação da Univale. Quando o projeto de escrever sobre o Buracão foi apresentado aos alunos, um grande problema chegou junto a proposta. Por motivos de segurança em relação à pandemia, não poderíamos fazer visitas à comunidade. Produzir matérias e crônicas sobre uma comunidade sem poder ir até ela, e, também sem conseguir conversar com os moradores de forma presencial, não seria uma tarefa fácil. Diante de todas as adversidades, o show não podia parar, tínhamos um compromisso com o projeto, e tínhamos que caminhar com ele. Apesar dos empecilhos, cada aluno conseguiu caminhar com suas demandas.

Após essa introdução, agora posso explicar sobre a experiência que trouxe algumas reflexões para a minha cabeça. Dentro do meu estágio na Univale TV, recebi uma demanda para fazer uma matéria sobre uma senhora que recebe atendimento do ambulatório de lesões da Univale. Mas como na época os atendimentos presenciais estavam suspensos, essa senhora passou a recebê-los em domicílio. Então fomos até a casa dessa senhora para registrar o atendimento e seu depoimento. Onde essa senhora morava? No Carapina.

Por nunca ter feito uma visita à comunidade, não tenho propriedade para dizer se ela morava próxima ao Buracão, mas aquele momento já foi o suficiente para me fazer pensar fora da caixa, pois ela está mais próxima da realidade dos moradores do Buracão do que eu, por exemplo. Não vou entrar em muitos detalhes da história de vida dela, até para não fazer uma exposição sem seu consentimento, mas posso dizer que a conversa que tivemos sobre sua história (que apesar de muito sofrida, é muito digna, honesta e ética) foi bastante chocante. Naquele bate-papo de mais ou menos uma hora, eu consegui entender na prática a dificuldade que um morador da comunidade tem para utilizar o transporte público, por exemplo. Essa mulher, mesmo que indiretamente, é responsável por essa crônica, pois a partir das experiências que eu tive nesse dia, eu consegui chegar mais perto do Buracão.

Já tinha conhecimento das dificuldades que a comunidade enfrentava por conta dos relatos, mas quando você vê ao vivo é diferente, gera mais impacto. O mundo é maior do que a nossa realidade, esse foi o ensinamento que eu tirei desse episódio. Cada um de nós tem seus medos, diferenças, receios, dificuldades e perdas. Ninguém tem a vida perfeita, em algum momento todos vão sofrer, mas também não podemos ser egoístas o suficiente para esquecer, menosprezar e fingir que os outros não têm dificuldade, e acrescento, é importante ter a humildade e a empatia de reconhecer que alguns têm dificuldades maiores que os outros. A comunidade do Buracão tem seus desafios e lutas, e só é possível compreender um pouco da vivência deles escutando os moradores e acompanhando suas rotinas.

A melhor forma de não ficar preso dentro dessas bolhas sociais é conversando com quem está em uma realidade diferente, com muita humildade e empatia, escutando suas histórias para ao menos tentar entender sua realidade, suas lutas. Eu tive uma experiência que muitos não podem ter no momento, em virtude da pandemia, mas o conselho que eu deixo aqui não é válido apenas por uma semana ou um mês, é para a vida. Não fique preso às bolhas, converse com os outros e, o mais importante, escute.

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Blog criado com o objetivo de transformar em palavras o que as mentes incessantes dos alunos da Univale sentem sobre o projeto SOS Buracão